Marialis Cultus - CONCLUSÃO - Santo Rosário

Ir para o conteúdo

Marialis Cultus - CONCLUSÃO

Documentos > Marialis Cultus

EXORTAÇÃO APOSTÓLICA
MARIALIS CULTUS
DO SANTO PADRE
PAULO VI
PARA A RETA ORDENAÇÃO
E DESENVOLVIMENTO DO CULTO
À BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA



CONCLUSÃO
VALOR TEOLÓGICO E PASTORAL
DO CULTO DA SANTÍSSIMA VIRGEM

66. A terminar esta nossa Exortação Apostólica, veneráveis Irmãos, desejamos frisar ainda, em breve síntese, o valor teológico do culto à Santíssima Virgem, e relembrar, resumidamente, a sua eficácia pastoral para a renovação dos costumes cristãos.

A piedade da Igreja para com a bem-aventurada Virgem Maria é elemento intrínseco do culto cristão. Essa veneração que a Igreja tem vindo a prestar à Mãe do Senhor, em todos os lugares e em todos os tempos, desde a saudação com que Isabel a bendiz (cf. Lc 1,42-45) até as expressões de louvor e de súplica da nossa época, constitui um excelente testemunho da sua norma de oração e um convite a reavivar nas consciências a sua norma de fé. E, em contrapartida, a norma de fé da Igreja exige também que, por toda a parte, floresça com pujança a sua norma de oração pelo que se refere à Mãe de Cristo.

Um tal culto à Virgem Santíssima tem raízes profundas na Palavra revelada e, conjuntamente, sólidos fundamentos dogmáticos: a singular dignidade de Maria, "Mãe do Filho de Deus e, por isso, filha predileta do Pai e templo do Espírito Santo; por este seu dom de graça sem igual ela ultrapassa, de longe, todas as outras criaturas, celestes e terrestres" (LG53); a sua cooperação nos momentos decisivos da obra da Salvação, realizada pelo Filho; a sua santidade, já plena na Conceição imaculada e, não obstante, sempre crescente, a medida que ela aderia à vontade do Pai e ia percorrendo a via do sofrimento (cf. Lc 2, 25-35;2,41-52; e Jo 19,25-27) e ia progredindo constantemente na fé, na esperança e na caridade; a sua missão e condição única no Povo de Deus, do qual é, ao mesmo tempo, membro sobreeminente, modelo limpidíssimo e Mãe amorosíssima; a sua incessante e eficaz intercessão, em virtude da qual, embora assumida ao céu, continua muito perto dos fiéis que a imploram, e até mesmo daqueles que ignoram ser seus filhos; a sua glória, enfim, que enobrece todo o gênero humano, como de modo admirável o exprimiu o poeta Dante: "tu és aquela que a humana natureza / nobilitaste de tal modo, que o seu Autor / não desdenhou fazer-se sua feitura".(74) Maria, de fato, é da nossa estirpe, verdadeira filha de Eva, se bem que isenta do labéu do mal, e nossa verdadeira irmã, que compartilhou plenamente, mulher humilde e pobre como foi, a nossa condição.

Acrescentaremos, ainda: o culto da bem-aventurada Virgem Maria tem a sua suprema razão de ser na insondável e livre vontade de Deus, que, sendo a eterna e divina Caridade (cf.1Jo 4,7-8.16), realiza todas as coisas segundo um plano de amor: amou-a e fez-lhe grandes coisas (cf. Lc 1,49), amou-a por causa de si mesmo e por causa de nós e, deu-a a si mesmo e no-la deu a nós.
57. Cristo é o único caminho para o Pai (cf. Jo 14, 4-11). Cristo é o modelo supremo, ao qual o discípulo deve conformar o próprio comportamento (cf. Jo 13,15), até chegar ao ponto de ter em si os seus mesmos sentimentos (cf. Fl 2,5), viver da sua vida e possuir o seu Espírito (cf. Gl 2,20; Rm 8,10-11): foi isto o que a Igreja ensinou em todos os tempos e nada, na atividade pastoral, deve ensombrar jamais esta doutrina.

A Igreja, no entanto, instruída pelo Espírito e amestrada por uma experiência multissecular, reconhece que também a piedade para com a bem-aventurada Virgem Maria, subordinadamente à piedade para com o divino Salvador e em conexão com ela, tem uma grande eficácia pastoral e constitui uma força renovadora dos costumes cristãos.

A razão de tal eficácia pode facilmente ser entrevista. A multifacetada missão de Maria, em relação ao Povo de Deus, é, efetivamente, uma realidade sobrenatural, operante e fecunda no organismo eclesial. E dá gosto considerar cada um dos aspectos dessa missão e ver como todos eles se orientam, cada um com a sua eficácia própria, para o mesmo fim: reproduzir nos filhos as feições do Filho primogênito. Quer dizer: a materna intercessão da Virgem Santíssima, assim como a sua santidade exemplar, a graça divina, que está nela, tornam-se motivo de esperanças supernas para todo o gênero humano.

A materna missão de Maria, pois, impele o Povo de Deus a dirigir-se, com filial confiança, àquela que está sempre pronta para o atender, com afeto de mãe e com o valimento eficaz de auxiliadora (LG 60-63). Por isso, cedo começou o mesmo Povo de Deus a invocá-la sob os títulos de Consoladora dos aflitos, Saúde dos enfermos e Refúgio dos pecadores, a fim de alcançar conforto nas tribulações, alívio nas doenças e, quando ilaqueado pela culpa, a força libertadora; porque ela, isenta do pecado, leva os seus filhos a isto: a debelarem, com decisão enérgica, o pecado (LG 65). E uma tal libertação do pecado e do mal (cf. Mt 6,13), importa frisá-lo bem, é a condição necessária para toda e qualquer renovação dos costumes cristãos.

Depois, a santidade exemplar da Virgem Santíssima estimula, realmente, os fiéis a levantarem "os olhos para Maria, que brilha como modelo de virtudes sobre toda a comunidade dos eleitos" (LG 65). São virtudes sólidas e evangélicas, as suas: a fé e a dócil aceitação da Palavra de Deus (cf. Lc 1,26-28;1,45;11,27-28; Jo 2,5); a obediência generosa (cf. Lc 1, 38); a humildade genuína (cf. Lc 1,48); a caridade solícita (cf. Lc 1,39-56); a sapiência reflexiva (cf. Lc 1,29.34; 2,19.33.51); a piedade para com Deus, álacre no cumprimento dos deveres religiosos (cf. Lc 2,21.22-40.41), reconhecida pelos dons recebidos (cf. Lc 1,46-49), oferente no Templo (cf. Lc 2,22-24) e orante na comunidade apostólica (cf. At 1,12-14); a fortaleza no exílio (cf. Mt 2,13-23) e no sofrimento (cf. Lc 2,34-35.49; Jo 19,25); a pobreza levada com dignidade e confiante em Deus (cf. Lc 1,48; 2,24); a solicitude vigilante para com o Filho, desde a humilhação do berço até a ignomínia da cruz (cf. Lc 2,1-7; Jo 19,25-27); a delicadeza previdente (cf. Jo 2,1-12); a pureza virginal (cf. Mt 1,18-25; Lc 1,2638); e, enfim, o forte e casto amor esponsal. Destas virtudes da Mãe se poderão também revestir os filhos que, com firmes propósitos, souberem reparar nos seus exemplos, para depois os traduzir na própria vida. E semelhante progresso na virtude aparecerá, assim, como conseqüência e fruto já maduro também, daquela força pastoral que promana do culto tributado à Virgem Santíssima.

A piedade para com a Mãe do Senhor torna-se pois, para o fiel, ocasião de crescimento na graça divina, que é, de resto, a finalidade última de toda e qualquer atividade pastoral. Na realidade, é impossível honrar a "cheia de graça" (Lc 1,28), sem honrar o estado de graça em si próprio; quer dizer: a amizade com Deus, a comunhão com Ele e a inabitação do Espírito Santo. Esta graça divina reveste todo o homem e torna-o conforme a imagem do Filho de Deus (cf. Rm 8,29; Cl 1,18).

A Igreja católica, apoiada numa experiência de séculos, reconhece na devoção a Virgem Santíssima um auxílio poderoso para o homem em marcha para a conquista da sua própria plenitude. Maria, a Mulher nova, está ao lado de Cristo" oHomem novo, em cujo mistério, somente, encontra verdadeira luz o mistério do homem (GS 22); e está aí, qual penhor e garantia de que numa simples criatura, nela, se tornou já realidade o plano de Deus em Cristo, para a salvação de todo o homem.

Para o homem contemporâneo, - não raro atormentado entre a angústia e a esperança, prostrado mesmo pela sensação das próprias limitações e assaltado por aspirações sem limites, perturbado na mente e dividido em seu coração, com o espírito suspenso perante o enigma da morte, oprimido pela solidão e, simultaneamente, a tender para a comunhão, presa da náusea e do tédio, a bem-aventurada Virgem Maria contemplada no enquadramento das vicissitudes evangélicas em que interveio e na realidade que já alcançou na Cidade de Deus, proporciona-lhe uma visão serenadora e uma palavra tranqüilizante: a da vitória da esperança sobre a angústia, da comunhão sobre a solidão, da paz sobre a perturbação da alegria e da beleza sobre o tédio e a náusea, das perspectivas eternas sobre as temporais e, enfim, da vida sobre a morte.

A sigilar esta nossa Exortação e como um ulterior argumento em favor do valor pastoral da devoção à Virgem Santíssima, para conduzir os homens a Cristo, sejam aquelas mesmas palavras que ela dirigiu aos servos das bodas de Caná: "Fazei o que Ele vos disser" (Jo 2,5). Palavras estas limitadas, na aparência, ao desejo de achar remédio para uma complicação surgida no decorrer do convívio; mas que, na perspectiva do quarto Evangelho, são realmente palavras em que parece repercutir-se o eco da fórmula usada pelo Povo de Israel para sancionar a Aliança sinaíta (cf. Ex 19,8;24,3.7; Dt 5,27), ou para renovar os compromissos da mesma (cf. Js 24,24; Esd 10,12; Ne 5,12); e palavras, ainda, em que há uma consonância admirável com aquelas outras do Pai, quando da teofania do monte Tabor: "Ouvi-O" (Mt 17,5).

58. Tratamos amplamente, veneráveis Irmãos, de um elemento que é parte integrante do culto cristão: a veneração para com a Mãe do Senhor. Exigia-o a natureza da matéria que, nestes últimos anos, tem sido objeto de estudo, de revisão e, algumas vezes, mesmo de certas perplexidades. É para nós motivo de conforto, no entanto, o pensar que o trabalho realizado, em execução das normas do Concílio, por esta Sé Apostólica e por vós próprios, de modo particular a reforma litúrgica, há de ficar a constituir um pressuposto válido, para um culto a Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, cada dia mais vivo e adorante, e para o crescimento da vida cristã entre os fiéis. E é motivo de confiança para nós, ainda, o verificar que a Liturgia romana renovada constitui, no seu conjunto, também ela, um fúlgido testemunho da piedade da Igreja para com a Santíssima Virgem. Alenta-nos a esperança de que as diretrizes emanadas em ordem a tornar cada vez mais límpida e vigorosa essa piedade virão a ser sinceramente aplicadas. E confessamos a nossa alegria, por fim, por o Senhor nos ter concedido a oportunidade de apresentar alguns pontos de reflexão que visam renovar e confirmar a estima em relação à prática do santo Rosário. Conforto, confiança, esperança e alegria são os sentimentos que, unindo a nossa voz à voz da Virgem Maria, como implora a Liturgia romana,(75) queremos traduzir em fervoroso louvor e ação de graças ao Senhor.

Ao mesmo tempo que auspiciamos, portanto, que graças à vossa aplicação generosa, Irmãos caríssimos, se verifique entre o clero e entre o povo confiado aos vossos cuidados, um salutar incremento da devoção mariana, com indubitável proveito para a Igreja e para a sociedade humana, outorgamo-vos, do coração, a vós e a todos os féis em prol dos quais se exercita o vosso zelo pastoral uma especial bênção apostólica.

Dada em Roma, junto de São Pedro, no dia 2 de fevereiro, Festa da Apresentação do Senhor, do ano de 1974, décimo primeiro do nosso pontificado.
PAULUS PP. VI


Fiat Voluntas Tua
Santo Rosário
Voltar para o conteúdo